O acesso mais fácil à produção e distribuição de conteúdo na era digital revolucionou cenas culturais periféricas no Brasil, mas essa ferramenta também deve ser usada para criar registros desses movimentos, antes ignorados ou marginalizados pela grande mídia. Ainda há muito o que contar, por exemplo, sobre o passado do funk em Pernambuco. A websérie Documentário 20 anos de carreira - Leozinho, O General tenta preencher esse vácuo. A produção, disponível no canal do YouTube do cantor, teve incentivo da Lei Aldir Blanc, o que enfatiza a necessidade das políticas públicas nesse processo.
Com produção do selo Seabra, direção de Tássia Seabra, que também co-assina o roteiro ao lado de Reizinho, da produtora Real Funk, o projeto é composto por três episódios, totalizando cerca de 75 minutos. O primeiro capítulo aborda a infância e mostra a família do artista, enquanto os seguintes vão explorar, respectivamente, o início de carreira e a transição do funk para o brega-funk.
A figura de José Leonel do Nascimento Neto (nome de batismo) pode soar desconhecida para algumas classes sociais e faixas etárias, mas foi um fenômeno nas periferias do Grande Recife no começo dos anos 2000. Ainda adolescente, era o principal astro das programações dos "bailes de galera", realizados em clubes de bairro.
MC Leozinho e Felipe Original (Foto: Divulgação)
Natural de Maranguape (Paulista), Leozinho começou a cantar aos 12 anos, quando foi descoberto por acaso em um trio de show de calouros da Rádio Jornal. Ao ganhar destaque nos bailes, lançou sucessos como Rap da Cyclone, Cenário louco, Eu sou mais Jesus e Eterno Osmir, entre outros. A maioria das canções cita diretamente os bairros da periferia e suas vivências, inclusive o cotidiano no cárcere, o que reforçou a criminalização do gênero na época. A presença dessa última temática, no entanto, foi motivada pela prisão de seu pai, que passou 12 anos no antigo Aníbal Bruno.
"Leozinho e outros MCs estavam retratando o que ocorria dentro da periferia. Essa narrativa voltada ao cárcere é uma realidade nas favelas. A história dele reflete na trajetória de muita gente. Acho que é histórico falar de um movimento que originou o brega-funk com recursos públicos. Um movimento muitas vezes esquecido até pelos próprios MCs da atualidade", diz a idealizadora Tássia Seabra. "Eu fui da galera do Ibura e cresci vendo o nome do bairro da pior forma nas TVs locais. Então, se reunir em um local para gritar o nome do Ibura acabou aflorando em mim um sentimento de pertencimento e orgulho. Esse sentimento foi embalado pelas músicas do Leozinho", conta.
Música superou cultura de violência
Fora dos bailes, o funk dos anos 2000 era disseminado por rádios comunitárias e por blogs de início da internet, a exemplo da página Os Galerosos, criada por Reizinho no Fotolog. Em 2005, o Diario de Pernambuco foi o primeiro grande jornal a cobrir essa cena, com uma série de reportagens assinada pela jornalistra Marcionila Teixeira, com fotos de Alcione Ferreira (que ganhou um Prêmio Cristina Tavares, do Sinjope, pelo trabalho).
Registro no Baile do Téo, em 2005 (Foto: Alcione Ferreira/DP)
A entrada da mídia tradicional nessa história também aumentou a pressão policial sob os bailes, que foram se transformando em verdadeiros palcos de brigas entre as comunidades. Esse estigma que a cena ganhou foi vital para a criação do brega-funk, que surge como uma estratégia para continuação das carreiras de muitos MCs, já que o brega tinha amplo espaço nas TVs locais e nas casas de shows. Entre 2008 e 2009, Leozinho lançou o que, para muitas pessoas, é considerado o primeiro brega funk, Dois Corações, com DJ Serginho. "É muito gratificante poder contar um pouco da minha história e tudo o que passei para chegar onde estou hoje", diz o cantor.
"É muito bom poder contar com as plataformas digitais para contar esse tipo de história. Não apenas para mim, mas para outros artistas. A minha carreira veio mudando de acordo com os anos, novas oportunidades foram surgindo. Fomos aprendendo sobre questões de marketing, de conhecimento geral e evolução. O movimento inteiro melhorou muito, pois há 10 anos atrás não se falava sobre o brega ser uma cultura pernambucana. Ninguém falava disso. É uma evolução muito grande e nós temos sempre de estar criando novidades. O público gosta muito de novidades, é sempre necessário crescer e mudar", finaliza.
Assista aos episódios:
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