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MEMÓRIA

Carlos Garcia foi um paradigma do jornalismo em Pernambuco

Publicado em: 03/05/2021 11:32

 (Foto: Cepe/Divulgação)
Foto: Cepe/Divulgação


Uma das muitas nuances do filme Spotlight, drama investigativo de Tom McCarthy que venceu o Oscar de Melhor Filme em 2016, é mostrar os diferentes tipos de jornalistas que podem vir a formar uma equipe. Existem aqueles mais inflamados no impulso pelo furo, os que conseguem informações pelo tino nas relações interpessoais e os mais observadores, quase céticos, que prezam pela apuração rigorosa. Pelos relatos de amigos, é possível afirmar que o pernambucano Carlos Garcia tinha esse último perfil. Era um homem sério, conhecido pela exigência no cruzamento de informações e coleta de dados. Carregava uma certa serenidade na busca pela verdade com ética.

Um dos maiores jornalistas de Pernambuco, ele faleceu no último dia 27 de abril, aos 87 anos, vítima da Covid-19. Estava internado no Real Hospital Português desde o dia 18 do mesmo mês. Carlos Garcia foi um nome atuante e marcante durante a segunda metade do século 20, sendo repórter policial e de política do Jornal do Commercio, passando pelas rádios Jornal e Olinda e pela TV Jornal como comentarista político. Foi setorista de economia do Última Hora, secretário de redação do Diario da Noite, editor da Revista do Nordeste e da Reclamo, além de sócio da gráfica e editora Comunigraf. Na política, trabalhou como assessor do governador Cid Sampaio e secretário de Cultura do governo de Jarbas Vasconcelos. Foi também presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco. É uma longa lista.

O ápice da carreira foi o período de 27 anos, sendo 22 como chefe, na sucursal Nordeste do jornal O Estado de S. Paulo, que ficava no Recife. Capital regional da época, a cidade abrigava pequenas redações de veículos nacionais - Jornal do Brasil e O Globo são outros exemplos. Essas sucursais faziam brilhar os olhos de jovens jornalistas, que nelas conseguiriam passagem para os jornais estaduais, além da visibilidade nacional. Foi lá que Garcia formou uma geração composta por nomes como Geneton Moraes Neto, Xico Sá, Evaldo Costa, Paulo Cunha, Divane Carvalho, Ricardo Carvalho, Ângela Lacerda, entre outros.

 (Foto: Cepe/Divulgação)
Foto: Cepe/Divulgação

"Eu conheci Garcia quando ele disputava a presidência da AIP. Casado com uma prima minha, sempre me incentivou a seguir o caminho do jornalismo. Era uma pessoa muito aberta para conversas políticas e pela orientação de novas gerações”, diz Ricardo Leitão, presidente da Cepe Editora. “Garcia transformou a sucursal do Estado de S. Paulo num ponto de encontro de jornalistas que gostavam de política e história, como era o meu caso. Ele era uma memória política de Pernambuco. Aprendi muito com ele. Tinha uma serenidade para tratar das coisas, era um veterano que sabia acalmar os impulsos das gerações mais antigas durante a ditadura militar."

O período do regime militar, inclusive, rendeu um momento marcante da trajetória de Garcia e do próprio jornalismo em Pernambuco. Como o Estado era um jornal de fora, ele conseguiu emplacar uma notícia sobre um oficial do Exército que estava ameaçando o vereador Marcos Cunha, em março de 1974. Por conta disso, foi retirado de dentro da sucursal, instalada Rua Bispo Cardoso Ayres, por soldados, sendo preso e torturado. “Aquilo poderia ter lhe tirado a vida, mas ele escapou e continuou a trabalhar. Não se assustou, justamente por trazer um estilo de jornalista mais tranquilo”, conta Homero Fonseca, autor da biografia Carlos Garcia: Um mestre no meio do redemoinho (Cepe, 2016).

“Garcia se preocupava muito mais em apurar rigorosamente do que sair na frente, correndo para dar um furo. As coisas mudaram na internet, mas o furo era uma coisa folclórica. Ele não fazia o estilo do jornalista espetacular, de chegar nos cantos e ser notado. Ele acreditava que o jornalista não era uma estrela, mas sim um sujeito que ficava na retaguarda observando os fatos”, continua Fonseca. “Acredito que Carlos foi um paradigma para gerações de jornalistas. Existiram outros profissionais desse período que representam isso, a exemplo de Ronildo Maia Leite, que por sua vez era um jornalista mais barulhento”.

Na sucursal, Garcia comandou equipes que cobriram grandes acontecimentos no Nordeste, sobretudo as grandes secas, enchentes, acidentes aéreos e crises políticas. Seu legado está nos acervos de todos os veículos nos quais trabalhou, nas histórias das situações que influenciou através do ofício e, sobretudo, na memória dos jornalistas e dos leitores. As novas gerações podem conhecer mais da sua escrita, estilo e importância em livros como O que é o Nordeste (Editora Brasiliense, 1984), com capa e ilustrações do pernambucano José Cláudio, em que ele ressalta como as desigualdades sociais da região vão muito além da seca.

 (Foto: Cepe/Divulgação)
Foto: Cepe/Divulgação

Carlos Garcia: Um mestre no meio do redemoinho
166 páginas
Editora: Companhia Editora de Pernambuco
Ano: 2016
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